A Obsolescência Programada dos Nossos Sentimentos (2022)

A partir de qual idade nós perdemos a validade? A partir de qual idade devemos nos recolher à nossa insignificância? Tanto Ulisses quanto Mediterrânea enfrentam esse dilema, afinal, para que serve uma pessoa idosa? Todavia, o destino dá uma reviravolta, colocando um na vida do outro e fazendo com que eles descubram que há uma vida inteira pela frente... E que eles podem ser o grande amor da vida do outro, assim como o último.


Título Original: L'Obsolescence Programmée de Nos Sentiments 
Roteiro: Zidrou 
Arte: Aimée de Jongh 
Gênero: Drama
Editora: Pipoca e Nanquim
Ano de Publicação: 2022

O mundo de Ulisses para no tempo quando um corte de funcionários em sua empresa antecipa sua aposentadoria. Aos 59 anos, o viúvo se vê sem rumo e engolido pela solidão. O mundo de Mediterrânea salta no tempo com a morte da mãe. De repente, suas rugas parecem mais perceptíveis, as palavras alheias machucam e a idade pesa em seus ombros. Os dois passam seus dias envoltos em melancolia, enquanto tentam fazer as pazes com a realidade. Até que, um dia, seus mundos se encontram... resultando em um turbilhão de novas emoções.


Existem histórias que te emocionam e histórias que tocam profundamente no seu íntimo. No entanto, A Obsolescência Programada dos Nossos Sentimentos consegue primorosamente fazer as duas coisas. Com o roteiro do premiado autor belga Zidrou e com os traços da talentosa artista holandesa Aimée de Jongh, somos apresentados a Ulisses, um senhor de 59 anos que acaba sendo convidado a se aposentar antes do tempo, e à Mediterrânea, que vê sua vida ficar abalada após a morte da mãe idosa. Duas pessoas desconhecidas, que acabam se conhecendo em um consultório médico e cujo encontro mudará para sempre a forma de ambos encararem a velhice e o amor.


À medida que vamos lendo a história, vamos acompanhando como Mediterrânea e Ulisses são vistos pela sociedade. Embora ainda se esforce para ver os antigos colegas de trabalho, Ulisses sabe que não faz mais parte daquela realidade. Enquanto isso, percebemos, nas falas do irmão mais novo, que o alvo da morte agora é Mediterrânea, a integrante mais velha da família Solenza após a morte da matriarca. Além das pequenas violências contra pessoas idosas, camufladas muitas vezes de preocupação, há também os julgamentos em torno do relacionamento dos dois. Quando conhece Ulisses, Mediterrânea não imaginaria que ele seria o seu grande amor e Ulisses tampouco imaginou que conheceria outra mulher tão incrível quanto sua esposa falecida.


Enquanto tentam viver o máximo do que ainda resta viver juntos, Mediterrânea e Ulisses são surpreendidos por uma grande novidade. Mas seria isso possível? Seria o universo ou a natureza tão generosa a ponto de trazer um milagre na vida deles? É a partir daí que algumas pessoas podem concordar com Julien, o filho de Ulisses, que como médico é o primeiro a expressar o seu preconceito disfarçado de preocupação, no entanto, percebemos que tudo não passa de mais uma visão distorcida sobre a vida alheia. Julien, assim como grande parte das pessoas, acredita que idosos têm um prazo de validade para o amor, para o sexo, mas agem como se fossem pessoas abertas, quando na verdade não são. E é por causa disso que Ulisses decide tomar uma atitude, ir para a Grécia com Mediterrânea e esperar para ver. Afinal, só o tempo poderá responder se a vida foi generosa ou não com eles.


Ao tratar do relacionamento de um homem viúvo de 59 anos e de uma mulher solteira de 62 anos, poderíamos esperar diversos obstáculos ao longo da história, entretanto, a HQ não se aprofunda nessas questões, mas também não as ignora. É perceptível, em várias cenas, as violências simbólicas que os protagonistas sofrem, como a aposentadoria forçada, ser velha demais para ganhar uma boneca, ser velha demais para ter medo de bruxas, ser velho demais para ignorar a morte a caminho etc. De forma sutil, presenciamos comentários e atitudes que nos indignam, mas que são tão comuns no dia a dia de pessoas idosas, que chegam a ser naturalizados. No graphic novel, observamos isso quando o rapaz não cede o lugar no transporte público para Mediterrânea ou quando Julien questiona o pai por querer largar tudo e sair do apartamento. Afinal de contas, o que você nessa idade acha que está esperando se não pela morte inevitável?


Ulisses e Mediterrânea vivem um relacionamento que não se preocupa com picuinhas. Não existe o medo de ser trocado, não existe a angústia de ser mal interpretado, já que eles estão no mesmo momento da vida e descobrindo juntos como se reinventar. A Obsolescência Programada dos Nossos Sentimentos não é apenas sobre uma história de amor entre pessoas da terceira idade, é sobre ressignificar a vida quando se supõe que não há nada de novo para esperar. É sobre se reinventar, sobre se permitir. É impossível não se sentir tocado e emocionado por esse casal que, enquanto indivíduos solitários, refletiam todo o estereótipo da velhice: o fim da linha. Porém, quando eles se conhecem, quando se apaixonam, surge um novo modo de enxergar a velhice: um caminho para algum lugar, mesmo que não seja tão longo, mas que será incrível enquanto for trilhado e é isso que Ulisses e Mediterrânea fazem quando escolhem viver esse amor e descobrir que a velhice não é um fim em si mesma, mas apenas uma fase da vida a que todos nós estamos condenados a viver (se tivermos sorte de chegar até lá). Uma história incrível, despretensiosa e acolhedora. Super recomendo.

Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐


Comentários

  1. Gente que história maravilhosa, vale muito a pena ler, é apaixonante!

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    1. Sim... é uma história maravilhosa... vale muito a pena ler e conhecer.

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