As Maravilhas - Elena Medel

As Maravilhas é o romance de estreia de Elena Medel e desde a sua publicação tem sido considerado um dos principais nomes da literatura espanhola contemporânea. Em seu livro, Medel entrelaça a vida das personagens a eventos do passado recente da Espanha, compondo o plano de fundo político e histórico em que María e Alicia (avó e neta, respectivamente) vivem. 


Título Original: Las Maravillas
Autora: Elena Medel
Tradução: Rubia Goldoni
Gênero: Romance
Editora: Tag/ Todavia
Páginas: 192 p. 
Ano de Publicação: 2022

María largou sua antiga vida para morar em Madri. Ainda jovem, deixou para trás a família e a filha pequena, Carmen. Trinta anos depois, Alicia, sua neta, faz o mesmo percurso, mudando-se para Madri, mas por motivos diferentes. Duas mulheres separadas pelo tempo e pela vida, mas que têm como ligação a filha e a mãe da outra. Enquanto María se envolve na luta pelo direito das mulheres, Alicia tenta dar um rumo decente a sua vida monótona e sem graça.


O livro alterna vários momentos entre o presente e o passado, a fim de apresentar o cenário político e social da Espanha em diferentes estágios na vida das personagens principais. Sendo assim, é importante contextualizar cada um desses momentos. O primeiro e o último capítulo retratam o ano de 2018, trazendo como pano de fundo a manifestação das mulheres a nível global, em que elas reivindicavam pelos seus direitos e, na Espanha, puxavam o coro para uma greve geral dos trabalhadores. O ano de 1969 surge como uma mostra da precariedade e da vida sofrida que os espanhóis enfrentavam durante a ditadura franquista. Em 1975, após a morte de Franco, há uma grande mobilização no país, culminando nas eleições presidenciais de 1982, com a eleição de Felipe González, candidato do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). No entanto, na década de 1990, a direita conservadora assume o poder e com ela tem-se início uma grave crise econômica, fazendo com que grande parte da classe média perdesse seus bens e sua fortuna.

É a partir desse cenário que Medel vai costurando a narrativa de María, que está prestes a completar 70 anos, e de Alicia, que aos 30 e poucos anos, precisa trabalhar numa loja de conveniência para poder sobreviver. Logo no primeiro capítulo, somos apresentados a María, que está organizando o protesto pelo Dia das Mulheres na Associação de Moradores. Em contrapartida, Alicia aparece como mera expectadora da manifestação ao testemunhar duas mulheres colando cartazes numa fachada de loja enquanto ia para o trabalho. Percebe-se, portanto, que uma das questões principais do livro é o fato de que a falta de recursos pode determinar uma vida marcada pela precariedade, fazendo com que sonhos e metas nunca sejam realizados. Isso fica bastante nítido na figura de Alicia, que mesmo sendo jovem não consegue encontrar boas condições de trabalho. Além disso, quando Alicia vê as duas mulheres colando cartazes, automaticamente ela ignora o que vê e passa a pensar em coisas mais interessantes, como ganhar dinheiro para pagar o aluguel e se manter.
E assim, dia após noite após dia após noite após dia: um dia idêntico ao outro, sem uma única manhã em que Alicia finja estar doente e resolva passear pela cidade, sem uma noite em que o pesadelo de sempre não ocorra em sua cabeça. Seus patrões - teve vários, todos homens, no início um pouco mais velhos que ela, agora alguns anos mais jovens, com a camisa dentro da calça - ficam surpresos por ela continuar há tantos anos no mesmo emprego; alguns lhe perguntam se não enjoa de vender pacotinhos para viagem, e Alicia então responde que se sente feliz (...) e que para ela está de bom tamanho.
Outro ponto em comum entre avó e neta diz respeito aos seus respectivos parceiros românticos. María engravidou muito cedo e Carmen cresceu sem a figura paterna presente, no entanto, ter sido criada pelos tios minimamente suavizou o impacto de crescer sem uma mãe presente e um pai provedor. Nesse sentido, ao conhecer Pedro, María esconde dele a existência dessa filha. O que dá o pontapé inicial para que ela passe a querer uma vida ao lado desse homem, mesmo que ele anule a sua voz. Anos mais tarde, vemos Alicia, cujo relacionamento não é muito diferente de uma relação de parasitismo. Enquanto permanece em seu casamento sem vida, trabalhando para sustentar a casa e os dois, Alicia vive uma vida "paralela" e solitária. Ela perambula pelas ruas, pelos bairros distantes numa espécie de fuga da realidade precária em que vive. Alicia nasceu em berço de ouro, mas tudo mudou na década de 90, com a crise econômica que assolou o país e com o suicídio do pai, deixando a família inteira à mercê dos credores e das dívidas imensas.

É diante de um cenário de privações que conhecemos nossas duas protagonistas. Enquanto vivem caminhos distintos, uma longe da outra, cuja única ligação é Carmen (filha de uma, mãe da outra), percebe-se a gritante diferença de idade e de perspectiva das duas. Enquanto Alicia não vê sentido em lutar por melhores condições, já que aprendeu da pior forma possível que nada está garantido para sempre; María reivindica direitos para as mulheres e mudanças sociais na Espanha, impondo sua voz, a priori silenciada pelo companheiro, sobretudo, durante os anos 70 e 80. Duas figuras emblemáticas que representam as diferentes visões de paradigmas da sociedade. Uma mulher septuagenária lutando por direitos para ela e para todas as mulheres espanholas e uma jovem desiludida com a vida e com a sociedade. Um reflexo atual da nossa sociedade como um todo. Uma leitura que vale a pena ser feita. Recomendo.

Nota: ⭐⭐⭐

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