Morra, Amor - Ariana Harwicz

Morra, Amor, romance da autora argentina Ariana Harwicz, foi publicado no Brasil pela Editora Instante. Publicado em 2019, o livro conta a história de uma protagonista que precisa lutar contra seus demônios: o casamento e a maternidade. Mas como uma mulher "não-domesticada" conseguirá se encaixar numa vida dita 'normal' se tudo nela irradia fogo, paixão, ardor? Nossa heroína está em um lugar que é um não-lugar, ou seja, está numa casa que não a abraça, porque ela não se encaixa na vida que se lhe sucedeu.

Título Original: Matate, amor

Autora: Ariana Harwicz

Tradução: Francesca Angiolillo 

Gênero: Romance

Editora: Instante

Páginas: 144 p.

Ano de Publicação: 2019

A narrativa de Morra, Amor não é uma leitura fácil à primeira vista. Nossa protagonista está no seu limite, ao mesmo tempo que tenta fugir da sua realidade, ela também tenta ao máximo e, paradoxalmente, tentar se encontrar e fazer parte daquele ambiente doméstico. A escrita de Ariana não te entrega nada de bandeja. Ela segue o fluxo de consciência da protagonista, expondo suas angústias, dores, medos, desejos e fúria. A violência também ganha destaque no texto, visto que uma natureza tão indomável como a da nossa heroína resistiria bravamente para ser "domada", para se encaixar numa configuração familiar que ela sequer desejou. Sendo assim, vemos uma narradora em primeira pessoa que se mostra e se retrai, numa espécie de vigília e de delírio. Em alguns trechos não sabemos se o que está sendo narrado é real ou fruto da imaginação da protagonista.

É impossível sair ileso da narrativa de Ariana. Ainda mais no seu livro de estreia, cuja narrativa parece te dar vários socos no estômago. Nossa heroína não pede desculpas por não ser uma mulher submissa, obediente, comedida. Seus conflitos pessoais, o que ela quer ser e o que esperam que ela seja, surgem como um peso inexorável sobre ela. Esse peso é reforçado pelo fato de a história se passar em uma pequena cidade do interior da França, onde as pessoas vivem a vida da maneira mais simples possível e onde todos sabem o seu papel na sociedade e na família. A sensação é de que tudo está prestes a explodir, a pegar fogo. A nossa protagonista tem ânsias, quer ser, quer se encontrar, quer viver, mas não sabe como.  O bebê exige atenção o tempo todo, seu marido também. Todos lhe cobram algo que ela não é obrigada a dar, mesmo assim, a pressionam.

"Como é que eu, uma mulher fraca e malsã que sonha com uma faca na mão, era mãe e esposa desses dois indivíduos? [...] Eu mesma, letrada e formada na universidade, sou mais animal que essas raposas desenganadas com a cara tingida de vermelho e um pau atravessando a boca de par em par".

A figura do bosque, do cervo que tanto a entende e por quem ela tanto busca, surge como uma válvula de escape. A busca por seu semelhante. O bosque representa a natureza, tudo de mais selvagem e natural. O bosque sempre a chama, grita por ela e ela atende seu chamado. Percebe-se, então, que existe uma relação de dependência da protagonista com esse local de fuga que ela cria para si mesma. A necessidade de fundir-se, de fazer parte de algo, como as vezes em que ela fala sobre enfiar os pés na terra úmida. A natureza que se encaixa na sua visceralidade ancestral versus o caos do mundo real ao qual ela deve se podar, o que faz com que seu marido nunca a entenda e busque sua internação compulsória. A crueza, a ironia e o sarcasmo com os quais Ariana nos brinda em seu primeiro livro é envolvente, porém áspero, impactante. O que torna Morra, Amor um livro indigesto, mas também humano demais para que você passe incólume por ele. Super recomendo.

Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐


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