Uma breve discussão sobre a teoria da androginia proposta por Virginia Woolf

Autora da famosa frase "Uma mulher deve ter dinheiro e um teto todo seu se ela quiser escrever ficção", Virginia Woolf nasceu na cidade de Lewes, Grã-Bretanha, em 1882, e foi um dos grandes ícones do modernismo inglês. Woolf é autora de romances como Mrs. Dalloway (1925), Ao Farol (1927), Orlando (1928), além do livro-ensaio, Um Teto Todo Seu (1929). Apesar de seu grande legado, Woolf tinha depressão e, em 1941, cometeu suicídio após a crítica negativa sobre seu último trabalho que era a biografia do amigo Roger Fry.

Virginia Woolf usou o termo androginia (gr. androgunos; aner: homem; guné: mulher), na literatura, como uma forma de equilíbrio completo dos sentimentos masculinos e femininos. Ou seja, ela acreditava que "o distanciamento da luta entre a sexualidade feminina e a masculina produzia um equilíbrio entre a "auto-realização" masculina e a "auto-aniquilação" feminina e julgava ser necessário o distanciamento da feminilidade no subconsciente para que não houvesse o confronto entre o feminino e o masculino" (BONNICI, 2007, p. 19).

Essa tendência foi uma das bandeiras levantadas durante a Segunda Onda do Feminismo, período no qual o feminismo se encontrava mais consolidado e as mulheres já haviam conquistado alguns direitos e espaços. Woolf foi uma das representantes das mulheres na literatura, visto que ela enfatizava e defendia a autonomia econômico-financeira das mulheres para que elas pudessem escrever, até porque esse espaço sempre fora dominado por homens que, não só detinham a maioria dos títulos mais famosos, como também eram os que controlavam a educação da mulher.

Apesar da ousadia e da ideia inovadora do equilíbrio entre os gêneros, opiniões a favor e contrárias surgiram contra Woolf. Com relação às críticas realizadas à Woolf, a crítica literária francesa Hélène Cixous foi uma das que criticou a teoria da androginia. Para Cixous, o feminismo deveria acentuar as diferenças e não anulá-las, como fez a autora britânica.

Além de Cixous, Elaine Showalter também fez sua crítica à teoria de Woolf. Segundo Showalter, a androginia foi um conceito que serviu apenas para ajudar a própria Virginia a evitar confrontar a sua feminilidade dolorosa e reprimir sua ira e ambição (BONNICI, 2007). Ou seja, para a crítica literária americana, Virginia só queria encontrar uma forma de transcender o conflito feminista e esquecer sua experiência feminina.

No entanto, vale salientar que a vida conturbada de Virginia Woolf e seus conflitos existenciais não devem ser levados em consideração numa crítica literária como se fossem elementos de extrema importância e motivos suficientes para determinar algo como bom ou ruim. Embora as duas autoras tenham criticado a teoria da androginia como uma forma de "negar" a causa feminista, devemos ressaltar que Woolf não deixou de ser feminista visto que ela sempre pregou a desconstrução da oposição masculino x feminino.

A crítica norueguesa, Toril Moi, partiu em defesa de Woolf ao rechaçar a crítica feita por Showalter. Segundo Moi (2002, p. 14), "a finalidade da luta feminista é exatamente desconstruir a letal oposição binária da masculinidade e feminilidade". Além disso, em 1973, a poeta Adrienne Rich foi uma pioneira ao desenvolver uma espécie de androginia na sua poesia, onde o seu eu-lírico descrevia um ser estranho que era ao mesmo tempo macho e fêmea. (Vale ressaltar que Rich voltou atrás no final da década de 70, tentando reconstruir as polaridades sexuais e as ideologias de gênero que, nos anos 60, trouxe uma visão feminista e lésbica para a pauta literária).

Woolf deixou enormes contribuições ao questionar que para escrever não bastava apenas o querer escrever, mas que o exercício da escrita é uma forma de poder. Poder este que não era permitido a todas as mulheres e que para que as mulheres pudessem escrever "ficção" deveriam ser autônomas e independentes. Embora Carolyn Gold Heilbrun tenha dito que a androginia era um conceito que ultrapassava fronteiras, ela considerava Woolf uma não-feminista. No entanto, Woolf sempre insistiu na desconstrução da identidade sexual, que é uma das características do feminismo. Além disso, Woolf defendia o direito de as mulheres terem uma profissão, educação e independência financeira, o que para ela eram motivos básicos para que uma mulher pudesse também deter o poder da escrita.

Certamente, a discussão sobre o conceito de androginia, proposto inicialmente por Woolf, não foi e nem será totalmente encerrado, muito pelo contrário, o conceito de androginia surgiu como um meio para que se pense numa forma de equilibrar o que chamaríamos de um "cânone literário feminino autônomo" e o próprio conceito de androginia, que tentaria conciliar a "tradição feminina" e o "cânone tradicional masculino" de forma que eles serviriam de fonte de temas e mitos sobre o masculino e o feminino.


REFERÊNCIAS


BONNICI, Thomas. Teoria e Crítica Literária Feminista: conceitos e tendências. Maringá: Eduem, 2007.

GASPARETTO JÚNIOR, Antonio. Segunda onda feminista. Disponível em InfoEscola.

INFOPEDIA. Biografia de Virginia Woolf. Porto: Porto Editora, 2003. Disponível em Portal da Literatura.

LEVATTI, Giovanna E. Um breve olhar sobre o movimento feminista. São Paulo, 2011. Disponível em UFSCAR.

MOI, Toril. Sexual/Textual Politics. London: Routledge, 2002.


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