Os Dois Mundos de Astrid Jones - A. S. King

Quando comecei a ler Os dois mundos de Astrid Jones, eu não sabia nada a respeito sobre a história. Foi um mergulho de cabeça num livro que eu me propus a conhecer, à medida que ia lendo. E, para mim, foi uma ótima experiência e, de certo modo, me deixou contente ver que existem histórias positivas sobre pessoas LGBT, sem fazer uso de clichês ridículos e sem momentos trágicos, do tipo, gays têm que morrer - artifício tão comum em Hollywood. [Pode conter spoiler].


Título Original: Ask the Passengers
Autora: Amy Sarig King
TraduçãoSantiago Nazarian
Gênero: Young Adult
Editora: Gutenberg
Páginas: 288 p.
Ano de Publicação: 2015

Astrid é uma adolescente de 17 anos que mora numa cidade pequena dos Estados Unidos, chamada Unity Valley. Para uma garota que nasceu e passou parte de sua infância em Nova York, ter que viver numa cidade do interior, com pessoas de mente fechada, cuja fofoca é a única diversão da cidade, deve ser uma tortura. E quem pode culpá-la por isso? (Até eu odiaria viver num lugar desses, risos).

A história é narrada em primeira pessoa e tudo se desenvolve do ponto de vista de Astrid. É ela que apresenta a sua conturbada relação com a família, sobretudo, com a mãe, Claire, que embora tenha vivido na cidade grande e se vanglorie de ser uma mulher refinada morando no "cu" do mundo, ela vive e respira o conservadorismo daquela cidade culturalmente atrasada. Além da relação difícil com a mãe, Astrid descreve o pai como um homem sem perspectivas, que passa a maior parte do tempo tentando fugir da realidade ao fumar marijuana na garagem de casa.

"Leio livros sobre colégios que têm clubes de aliança gay/hétero. Esses são livros fictícios. Então acredito que alianças gay/hétero também devem ser fictícias. Certamente, não as temos aqui. Existe uma placa no saguão de entrada que diz que este não é um lugar de ódio, mas ela não o torna de fato um lugar sem ódio".

Outro ponto importante na construção da narrativa é a relação, ora fraternal ora acirrada, entre Astrid e a irmã, Ellie. Ambas anseiam a atenção e o reconhecimento materno, mas apenas Ellie é quem detém escancaradamente tudo isso. O que, de certo modo, faz Astrid ter sempre o pé atrás ao conversar com a irmã, achando que esta não é confiável. Além disso, Kristina, a melhor amiga de nossa protagonista, é amiga de Claire e mantém um relacionamento próximo com a mãe de Astrid. Esses detalhes apenas reforçam o quanto nossa heroína se sente "rejeitada" pela mãe.

Com uma relação familiar pouco confortável, Astrid ainda precisa lidar com muitos segredos. Não apenas seus. Kristina e Justin, seus melhores amigos, são vistos como o casal mais perfeito de U. Valley. Mas o que ninguém imagina é que Kristina e Justin mantêm um namoro de fachada para poderem ficar com os seus verdadeiros namorados. É a partir desse disfarce que eles vivem uma vida dupla, fingindo amassos e espalhando mentiras para toda a escola. E é por causa desse disfarce/mentira que eles serão pegos e expostos para toda a cidade.


Enquanto guarda o segredo dos amigos, Astrid também esconde deles o seu relacionamento com Dee, sua colega de trabalho no restaurante. Nem mesmo Astrid é capaz de explicar como tudo começou, apenas que ela gosta de Dee e o sentimento é recíproco. Embora fique claro que Astrid namorou um rapaz, o fim do namoro com ele foi seguido de muitas teorias cruéis sobre o término, sobretudo, o fato de o ex-namorado estar acima do peso e que Astrid estaria com ele por pena. São esses os tipos de boatos que circulam por U. Valley, o que torna a atmosfera pesada e desagradável para nossa heroína, que odeia viver nesse lugar.

Os dois mundos de Astrid é um livro sobre autodescoberta. Astrid não quer rótulos, não quer ser obrigada nem forçada pela mãe, ou por Dee, ou pela sociedade a ser o que ela não é. Claire pressiona as filhas para que elas sejam bem-sucedidas, numa clara referência ao fracasso profissional do marido e pai das garotas. Kristina quer que a amiga saia do armário, para não ser a única lésbica da escola. E Dee quer ser assumida pela namorada. Toda essa pressão faz com que Astrid viva uma situação limítrofe em sua vida. Por que devo me rotular? Por que não posso ser apenas eu mesma e viver a minha vida? Por que tenho que ser aquilo que querem que eu seja? Por que não posso ser aceita pelo que sou?

"Para todo avião, não importa quão longe esteja voando lá em cima, eu mando meu amor. Visualizo as pessoas em seus assentos com seus copos plásticos de refrigerante, suco de laranja, uísque, e eu as amo. Realmente amo. Envio um fluxo constante, visível, disso - amor - de mim para elas. Do meu peito para o peito delas. Do meu cérebro para o cérebro delas. É um jogo que eu faço. É um bom jogo, porque não tem como perder".

E tudo se resume a uma questão muito importante: o amor. Ao longo da narrativa, Astrid envia todo o seu amor para os passageiros dos aviões que cruzam os céus da pequena cidade. Embora simbólico e sendo uma forma que a personagem encontrou para lidar com os problemas da sua vida, assumindo que ela não é a única a passar por coisas desse tipo, isso nos aproxima do que Astrid sente e deseja. Ela não precisa sair do armário, ela não precisa definir o que é nem o que quer ser, ela deseja apenas amar e ser amada e, quando essa verdade fica evidente para ela, todos os seus problemas passam a ser pequenos problemas fáceis de se resolver.

Histórias como as de Astrid são importantes. Muito importantes, porque representatividade importa. Infelizmente, quando eu era adolescente, não tive a oportunidade de ler histórias infanto-juvenis LGBT e, como uma pessoa LGBT, a falta de representatividade de histórias, de personagens adolescentes que passassem por experiências de autodescoberta teriam sido muito gratas para o meu processo de autodescoberta. No entanto, nunca é tarde para ver que histórias assim existem e o mais importante, sem aquele final trágico e mordaz que nós estamos cansados de ver. Super recomendo a leitura. É impossível terminar esse livro sem se apaixonar por Astrid e pela sua fé no amor.

Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐

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