O Humor Amargo e Frio dos Quadrinhos de Aline Kominsky-Crumb

Aline Kominsky-Crumb nasceu na cidade de Nova York, Estados Unidos, no ano de 1948, mas hoje mora nos recônditos da França, bem longe dos EUA, desfrutando a liberdade junto com sua filha e seu neto. Casada com o maior desenhista de quadrinhos americanos, Robert Crumb, e diferentemente do que se esperaria dela, ela conseguiu criar seu próprio estilo, evitando ser vista como uma sombra do companheiro.


Quando criança, Aline era uma menina sensível, gorda, apaixonada e, como muitos jovens da sua geração, louca para transar nos anos 60, porém, era filha de um pai bruto e oportunista, sua mãe era judia e vivia num mundo de aparências, pois sentia encanto por isso. Nessa época, indo na contramão do esperado para uma menina, Aline queria ser artista plástica, quando a febre e a onda do momento era o balé.
Embora procurasse aventuras amorosas, deplorava certos condimentos nas relações com os homens, o que eles, em sua maioria, pareciam não entender, já que a recusa a certo sexo parecia combinar mal com seu corpo de mulher representado por Crumb em ilustrações célebres. Depois de amar um homem que amava comida, e ser abandonada por ele porque não parava de cozinhar e comer, a desenhista aderiu à ginástica. E continuou a enfileirar as coisas no quarto, primeiro as bonecas, depois as botas. (Texto de Rosane Pavam, retirado da Revista Veja, 7 de novembro de 2011, p. 125).
Utilizando-se de um humor frio e ao mesmo tempo amargo, já que ela expõe de forma direta e sem rodeios, situações e sentimentos enfrentados por muitas mulheres, Aline conta em cada quadrinho histórias que descem com dificuldade na garganta. O fato de não controlar a sua compulsão por comida que desencadeia no fim de seu casamento, apresenta-nos uma Aline mais crítica diante de sua vida. Tornar-se crítico de sua própria narrativa não é algo fácil, pois em muitos de seus quadrinhos, Aline parece ser totalmente imparcial como se criasse personagens aleatórios que não são ela mesma.


Pavam ainda comenta sobre a obra de Aline com os seguintes dizeres:
O que acontece com Aline, pioneira ao tratar a autobiografia como tema? Ela não mente sobre o que vê, e sua obra é um retrato às vezes terrível das próprias emoções. Na introdução a este livro [Essa Bunch é um Amor] que compila excertos aleatórios de memórias, a artista, sem querer ser chamada de exímia desenhista, exerce uma pegada extraordinária de amargo, frio humor. Nas páginas tão bem narradas há reverência aos quadrinhos underground e a recursos da arte como o cubismo, aquele que procurava, de uma tacada, revelar toda a complexidade de um ser; seu corpo e sua face. Cubistas mortos, cubistas postos, Aline é uma das mais perfeitas usuárias dessa nem sempre bem-sucedida visão da arte. Seu retrato sobre o que é e representa muda a cada história, enquanto, nos desenhos dos quadrinhos americanos desde os anos 70, quando ela iniciou seu caminho, os artistas insistiram apenas na caricatura. Aline Kominsky-Crumb passou por todos os museus.
Aline não tem papas na língua quando trata das suas próprias emoções em seus quadrinhos. Emoções essas que podem ser as de qualquer pessoa no mundo, pois cada quadrinho de Aline é como uma confissão, muitas vezes dura, muitas vezes difícil, mas é algo que a aproxima de seu leitor. São histórias que expõem dores, deslizes, mas ao mesmo tempo graça e austeridade.


Ainda sobre a obra de Aline, Pavam encerra seu texto dizendo que "Talvez o feminismo deva significar isso que Aline faz [...] As confissões que faz não são rousseaurianas, porque, ao contrário daquelas do autor de Emílio, surgem multifacetadas, antididáticas, expositivas de ingenuidades e fraquezas, oferecidas sem receio a um leitor acostumado a tudo, menos ao que é feminino e essencialmente difícil."

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