Tartarugas Até Lá Embaixo - John Green

E aquela história de que um livro te chama para ser lido são realmente verdadeiras. Foi exatamente isso que aconteceu comigo. Não fui eu que escolhi o livro, foi ele que me escolheu. Talvez eu estivesse na vibe da história, vai que isso realmente acontece, algo tipo destino - risos. Brincadeiras e suposições à parte, esse é o primeiro livro do John Green que eu leio. Ao ler algumas notícias sobre o novo livro desse autor, fiquei profundamente curiosa, como seria contar a história em primeira pessoa de uma personagem com TOC sem parecer forçado?


Título Original: Turtles All the Way Down
Autor: John Green
Tradução: Ana Rodrigues
Gênero: Infanto-Juvenil, Romance
Editora: Intrínseca
Páginas: 272 p.
Ano de Publicação: 2017

Aza Holmes é uma adolescente que mora em Indianápolis, nas proximidades do White River. Ela vive uma vida pacata ao lado de seus amigos Daisy e Mychal. Entretanto, tudo isso muda quando o magnata das construções Russell Davis Picket desaparece após um escândalo de corrupção da sua empresa com o governo. Para tornar tudo ainda mais complicado, Aza precisa lidar com sua mente inquieta enquanto tenta escolher entre o seu futuro e a sua amizade com Davis, filho mais velho do magnata desaparecido.
"Fazia dias que eu não dormia direito. Que não pensava direito. O gel antisséptico é basicamente etanol, não pode ser ingerido. A atitude mais sensata seria ligar para minha médica, mas como explicar a ela que eu tinha pirado de vez? Não suportava nem imaginar a dra. Singh fingindo compaixão, perguntando se estou tomando o remédio todo dia. Até porque não adiantaria. Nada adianta. Três remédios diferentes, cinco anos de terapia, e aqui estou eu".
Diferentemente dos outros livros do Green, embora eu não tenha lido nenhum deles, vale salientar, em Tartarugas até lá Embaixo podemos perceber um tom mais maduro na narrativa do autor. A narrativa não tende para o romance como um fim em si mesmo, não é essa a proposta do livro, e espero que isso fique claro. Aza não é uma heroína que precisa urgentemente de um par romântico, até porque ela já tem problemas demais para se preocupar. Apesar de trazer uma narrativa mais adulta, a obra não deixa a desejar no que diz respeito ao estilo do autor. Tomando como parâmetro A Culpa é das Estrelas, obra que o deixou mundialmente conhecido, podemos afirmar que Aza não está tão interessada em se envolver, além disso, a pegada mais racional da personagem já deixa evidente que esse não é um livro sobre o amor, mas também é sobre amor.



A história é narrada na perspectiva de Aza, cujo sobrenome não foi escolhido à toa. Ela literalmente investiga por conta própria o desaparecimento do Picket pai, e influenciada por Daisy, acaba se envolvendo com o Picket filho. Esse envolvimento com Davis irá trazer um momento divisor de águas na narrativa. Porém, a priori, de maneira sutil. Inicialmente, a amizade de Aza e Daisy parece inabalável, mas Aza vive tanto tempo presa no seu mundo, que embora Daisy seja sua melhor amiga desde criança, ela não sabe muitas coisas sobre a amiga, exceto que ela é fã assumidíssima da série Star Wars.
"Eu me acomodei na parte de trás da minivan de Mychal, e quando ele partiu pela Michigan Road, Daisy colocou uma das nossas músicas preferidas para tocar, "You're the One". Mychal ria enquanto Daisy e eu cantávamos aos berros uma para a outra. Ela fazia a voz principal e eu vociferava o coro, que só repetia "You're everything everything everything", sentindo que eu era mesmo tudo. Somos tanto o fogo quanto a água que o extingue. Somos o narrador, o protagonista e o coadjuvante. O contador da história e a história em si. Somos alguma coisa de alguém, mas também o nosso eu".
Daisy escreve fanfics sobre Star Wars, na qual conta a história de amor entre Rey e Chewbacca. Obviamente, Rey é o alter-ego de Daisy (que curiosamente tem o mesmo nome da atriz que faz a Rey no cinema) enquanto Ayala, companheira de viagem de Rey na fanfic, seria o alter-ego de Aza. Fica claro que dentro da narrativa, Green abre espaço para que os personagens secundários desenvolvam seu próprio espaço construindo e tecendo outras narrativas. Além de Daisy escrever suas fanfics (vale salientar como uma adolescente normal como muitas por aí fazem), David mantém um blog. Ao longo do livro, vamos conhecendo um pouco do personagem além da perspectiva oferecida pela protagonista.



Tanto as fanfics da Daisy quanto o blog do Picket filho irão exercer algumas influências em Aza, sobretudo, as fanfics de Daisy, que irão abrir espaço para um segundo momento divisor de águas, mas que se complementa com o primeiro. Então, a partir desse momento, a narrativa alcança outras dimensões. E Aza precisa amadurecer e tomar decisões difíceis. Sobretudo, em relação a sua doença. Aza tem transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e a sua doença é retratada no livro de maneira bastante coerente. Não é à toa que esse seja considerado um dos livros mais "íntimos" do John Green, já que a história se passa em Indianápolis, onde o autor mora, e a personagem tem TOC como o autor.
"Meu pai morreu de repente, mas também morreu ao longo dos anos. E, anos depois, ainda estava morrendo - o que significava, acho, que ele também ainda estava vivendo".
Aza não me gerou identificação imediata. Sinceramente, a priori, ela é uma personagem muito chata, não é à toa que a Ayala é insuportável nas fanfics da Daisy. Entretanto, você vai compreendendo a dimensão da doença de Aza quando percebe que é algo maior do que ela. Embora ela saiba que tem um problema, ela acredita que pode lidar com ele, mas ela nunca consegue ignorar as "vozes" na sua cabeça. O interessante do livro é construir uma visão mais humana de um obsessivo compulsivo sem romantismos ou julgamentos de valor, apenas como eles são. E isso foi o que me fez amar essa história. No final, a visão que eu tinha da Aza mudou completamente, mas incontestavelmente, minha personagem preferida ainda é a Daisy. Para o primeiro livro do John Green que eu leio, taí a minha resenha e a minha recomendação. Gostei bastante.

Nota: ⭐⭐⭐⭐

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