A Casa das Belas Adormecidas - Yasunari Kawabata

E hoje resolvo falar de uma das obras que revolucionaram a literatura modernista japonesa. A obra intitulada A Casa das Belas Adormecidas, de Yasunari Kawabata assinala uma revolução na literatura japonesa nos anos 60, marcando a abertura para a inserção de elementos da cultura ocidental na literatura produzida no Japão.


Título Original: 眠れる美女 (Memureru Bijo)
Autor: Yasunari Kawabata
Tradução: Meiko Shimon
Gênero: Literatura Erótica
Editora: Estação Liberdade
Páginas: 124 p.
Ano de Publicação: 2004

Kawabata nasceu em Osaka, no ano de 1899, interessou-se por livros ainda adolescente, principalmente, clássicos do Japão, que mais tarde serviriam de inspiração para a criação de suas próprias histórias. Estudou literatura na Universidade Imperial de Tóquio e foi um dos fundadores da Bungei Jidai, revista literária na qual apresentava influências do movimento modernista ocidental, sobretudo, do surrealismo francês. Mais tarde, a revista defenderia os ideais da corrente neo-sensorialista (shinkankakuha) que visava uma revolução nas letras japonesas e uma nova estética literária, deixando de lado a corrente realista e dando espaço para uma escrita lírica, impressionista e atravessada por imagens nada convencionais.

As novas correntes literárias defendidas por Kawabata e por vários outros jovens escritores renderam ao autor o Prêmio Nobel de Literatura de 1968 pela obra O País das Neves. Em 1972, desgastado por excesso de compromissos, doente e deprimido, Kawabata comete suicídio.

Em seus textos, Kawabata contrasta morte e erotismo, características que serão marcantes em toda a sua obra. Em A Casa das Belas Adormecidas, pode-se observar como o escritor japonês tentou descrever a concisão da alma feminina, revelando o corpo da mulher em sua sutileza e esplendor. Kawabata era um excelente observador, pois acreditava-se que era imbuído do mastugo no me (traduzido literalmente como "o olhar derradeiro"). Nada escapava ao olhar perspicaz de Kawabata, e essa sua destreza em observar a natureza da alma feminina nortearia toda a essência de um de seus livros mais importantes.


A Casa das Belas Adormecidas traz a história de Eguchi, um homem de 67 anos que frequenta um bordel no qual moças se encontram em sono profundo ao serem dopadas por opiáceos, lá, Eguchi irá se deparar com virgens que podem ser tocadas pelos visitantes, mas é proibido violá-las. Esta sua obra apresenta inegável parentesco com uma obra de tema homônimo, intitulada Diário de um Velho Louco, do japonês Jun'ichiro Tanizaki, que também era defensor e grande representante da literatura japonesa moderna.

A sexualidade na idade madura é-nos apresentada de forma nua e crua, num cenário composto pela exploração sensorial do corpo feminino em estado de torpor. Essa sexualidade será exposta através do torpor (controlado) do corpo feminino representado pelas jovens moças que trabalham no bordel. No livro, o bordel é descrito assim:
"Não havia nenhuma placa com letreiro anunciando uma hospedaria. Além do mais, os segredos daquela casa não permitiriam colocar tal anúncio. Não se ouvia ali nenhum ruído".
Em outra passagem do livro, podemos perceber como a sensualidade é trabalhada no texto, além de expor de forma concreta as imagens e as sensações que as palavras e as cenas proporcionam ao leitor:
"Completamente fora de si, o velho Eguchi esquecera que a garota era a oferenda ao sacrifício, e procurou com o pé as pontas dos pés dela. Somente ali ele ainda não havia tocado. Os dedos eram longos e moviam-se graciosos. As articulações, de modo semelhante às dos dedos das mãos, ora se dobravam ora se desdobravam, o que já bastava para exercer em Eguchi a forte sedução de mulher misteriosa".
No prefácio do livro, encontramos a seguinte análise sobre a obra de Kawabata:
"Ao contrastar o ritmo harmônico da natureza e o turbilhão da avalanche sensorial, Kawabata forjou insólitas associações e metáforas táteis, visuais e auditivas que surpreendem por revelar os processos de fragilização do ser humano diante do cotidiano, numa composição surrealista de elementos da cultura e filosofia orientais, personagens acuados e cenários inóspitos.
Sua obsessão pelo mundo feminino, sexualidade humana e o tema da morte (presente em sua vida desde cedo, sob a forma da perda sucessiva de todos seus familiares) renderam-lhe antológicas descrições de encontros sensuais, com toques de fantasia, rememoração, inefabilidade do desejo e tragédia pessoal".
A Casa das Belas Adormecidas serviu de inspiração para o filme pornosoft Beleza Adormecida, da cineasta australiana Julia Leigh. O filme conta a história da universitária Lucy (interpretada por Emily Browning) que desce à fraternidade dos anciãos para se tornar objeto de um fetiche, no mínimo, estranho: ser observada e tocada por homens idosos enquanto dorme sob o efeito de narcóticos.


A obra de Kawabata trouxe uma nova visão do erotismo na literatura, explorar os sentidos e as imagens dentro da perspectiva do neo-sensorialismo tornaram a obra deste grande autor num ícone para a literatura universal, mesmo tendo um tema homônimo à obra de Tanizaki, a sexualidade senil é narrada de forma diferente nas duas obras. Tanizaki expõe a sensualidade de um senhor de idade que irá vivê-la de forma contida, enquanto Kawabata transpõe os limites sensoriais das relações humanas através do corpo feminino. O livro é uma viagem aos sentidos do corpo humano. Recomendo a leitura.

Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐

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