Meu Ano de Descanso e Relaxamento - Ottessa Moshfegh

Esse livro certamente não foi uma leitura fácil. Carregado de ironia e de muito humor ácido, Meu Ano de Descanso e Relaxamento conta a história de uma jovem rica que vive em Nova York, mas que não sente nenhuma vontade de lidar com a realidade, pelo menos durante um ano inteiro. E é nessa busca que a nossa protagonista mergulha numa tentativa insana, inconsequente e desesperada de dormir durante um ano, acreditando piamente que precisa desse tempo para descansar e relaxar.


Título Original: My Year of Rest and Relaxation
Autora: Ottessa Moshfegh
Tradução: Juliana Cunha
Gênero: Romance
Editora: Todavia
Páginas: 240 p.
Ano de Publicação: 2019

Do alto de seu loft no Upper East Side, uma garota que é a própria personificação do privilégio embarca em um projeto que consiste em hibernar por um ano inteiro. Sua intenção é de que cada célula do seu corpo se renove e de que, assim, ela se torne uma pessoa totalmente nova, deixando para trás tudo o que lhe aflige. São os anos 2000, Nova York, uma cidade cheia de possibilidades. E a narradora de Meu Ano de Descanso e Relaxamento não tem motivo para queixas. Ela é jovem, bonita, trabalha numa galeria descolada, mora num belo apartamento e recebeu uma grande herança. Entretanto, traz um enorme vazio no peito. E não apenas porque perdeu os pais ou por causa da relação destrutiva que desenvolveu com sua melhor amiga, Reva. O que pode estar tão errado? Durante um ano, ela passa a maior parte do tempo dormindo, embalada por uma combinação de remédios prescritos por uma psiquiatra inescrupulosa, a Dra. Tuttle. Mas ela não está preocupada com isso, já que ela acredita que tem razão em seu desprezo pelo mundo.


Vale ressaltar que essa história é diferente de tudo que eu já li. E não é fácil sentir empatia pela protagonista. Ela é uma mulher branca, loira, padrão, rica e que poderia ter uma vida maravilhosa se não sentisse um enorme vazio e apatia pelas pessoas e pelas coisas ao seu redor, o que nos permite definir a nossa protagonista como uma anti-heroína. Ela passa boa parte do livro fazendo o possível e o impossível para conseguir o que mais deseja: dormir, o que reforça ainda mais o sentimento e a necessidade de se afastar da realidade e do caos que é viver. Além disso, a protagonista, que também é a narradora do livro, tem sérios problemas, no entanto, se recusa a enfrentá-los. Sua baixa autoestima faz com que ela se rasteje por Trevor,  um antigo namorado que nunca gostou dela, mas sempre usou e abusou de seu corpo e de sua ingenuidade.
Minha vida passada seria apenas um sonho e eu poderia começar de novo sem arrependimentos, amparada pela felicidade e pela serenidade que teria acumulado em meu ano de descanso e relaxamento.
Além de Trevor, as relações da protagonista se limitam a mulheres que fazem ou fizeram parte de sua vida, mas nunca há uma relação totalmente sincera entre elas. Tudo envolve uma certa desconfiança ou disputa: desde a mãe alcoólatra e narcisista até Reva, sua melhor amiga bulímica e brega. A protagonista parece não se importar consigo mesma nem com as pessoas com quem ela convive, que não são muitas. A necessidade de ser validada por Trevor é uma constante, embora as humilhações vividas por ela ao lado dele sejam inúmeras e nauseantes. Com relação a Reva, a protagonista é deveras cruel, mostrando-se sempre superior a sua única amiga. No entanto, tudo deixa de fazer sentido quando ela embarca na jornada final de passar quatro meses inteiros dormindo para completar seu ano "sabático". Quando desperta, uma nova mulher surge, como se ter dormido fosse exatamente tudo aquilo de que a nossa protagonista realmente precisava. 
Fugia de qualquer coisa que pudesse despertar meu intelecto ou me deixar com inveja ou ansiosa. Mantinha a cabeça baixa.
Ottessa Moshfegh consegue nos convencer, através de sua protagonista, que esse tipo de alienação pode ser aceitável e até mesmo necessária, no entanto, não se engane com essa sutileza. Cada capítulo é permeado de sarcasmo, ironia e humor ácido, além disso, não é à toa que a protagonista é uma filha da burguesia, uma mulher branca que sempre teve tudo nas mãos e, ao mesmo tempo, nunca teve nada. A narradora é carente de afeto e de amor próprio, o que justifica sua paixão irracional por Trevor e a rivalidade que ela cultiva contra Reva. Apesar de não ser uma leitura fácil e de apresentar trechos polêmicos de uma crueza visceral, podemos perceber o quanto Moshfegh é talentosa e criativa. Vale salientar que, além de escritora, Ottessa é roteirista, tendo assinado o roteiro de Passagem (Causeway - 2022). No mais, vale a pena a leitura, mas esteja ciente de que é preciso ter estômago em alguns momentos do livro.

Nota: ⭐⭐⭐

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