Longo e Claro Rio - Liz Moore

Até onde vai o amor entre duas irmãs? Até que ponto viver num mesmo ambiente desregulado, sem amor e sem afeto é capaz de unir duas pessoas para sempre? Nesse livro, conhecemos as irmãs Michaela e Kacey, que após a morte prematura da mãe, Lisa, passam a viver com a avó ranzinza e amargurada que desde que perdeu a filha não foi capaz de amar novamente mais ninguém.


Título Original: Long Bright River 
Autora: Liz Moore 
Tradução: Fernanda Abreu 
Gênero: Ficção Policial
Editora: TAG/ Trama 
Páginas: 352 p. 
Ano de Publicação: 2021

O bairro de Kensington, na Filadélfia, foi fortemente abalado pela epidemia de opioides. Lá cresceram as irmãs Kacey e Michaela (Mickey). Embora inseparáveis na infância, as duas escolheram caminhos bastante diferentes: enquanto uma acaba vivendo nas ruas, abandonada à própria sorte; a outra decide entrar para o Departamento de Polícia da Filadélfia (DPF). Mesmo sem se falarem há alguns anos, Mickey mantém suas rondas policiais, sempre procurando saber se a irmã mais nova está bem, no entanto, tudo muda drasticamente quando Kacey desaparece sem deixar rastros, enquanto uma onda de assassinatos surge na região ao mesmo tempo que o número de overdoses aumenta de forma alarmante.


Para contextualizar a história, Mickey e Kacey cresceram em um lar hostil e sem demonstrações de afeto. Gee, sua avó materna, faz o que pode para sustentar as duas meninas, mas a vida foi dura com todos e após perder a única filha, Lisa, para as drogas, seu coração também resseca e ela não é capaz de oferecer amor às netas. Sendo assim, Mickey e Kacey crescem aos trancos e barrancos, uma amparada pela outra, a fim de sobreviverem não só ao lar disfuncional, mas à problemática família da avó materna. Embora tenham o sobrenome do pai, Fitzpatrick, é sangue O'Brien que corre em suas veias, sendo assim, a vergonha, o desejo de validação e o fracasso rondam as duas meninas o tempo todo.

Embora fossem inseparáveis na infância, Mickey e Kacey tinham personalidades muito diferentes. Enquanto Michaela assumia os cuidados maternos negados à irmã caçula desde a morte da mãe delas, Kacey tentava salvar a irmã mais velha das sombras da insegurança e da timidez. Desde cedo, Kacey mostrava-se impetuosa e protetora dos menos favorecidos, sempre ganhando os afetos e as atenções de todos na escola. A recíproca em relação à Mickey não era verdadeira. Esgueirando-se pelos corredores alheia a todos, ela sempre se manteve reservada e desconfiada em relação às pessoas. Apesar das diferenças gritantes entre as duas, nada disso impedia a natureza única e leal daquela relação, mas as coisas começam a mudar quando Kacey faz "novos amigos".

Em contrapartida, após permanecer no programa da polícia para salvar os jovens da criminalidade, Mickey passa a receber toda a atenção que nunca teve, o que a faz negligenciar a irmã mais nova. Sonhando em cursar uma universidade e em ter uma vida melhor, Michaela percebeu tarde demais que Kacey estava se envolvendo com pessoas erradas, inevitavelmente, seguindo os mesmos passos da mãe. Apesar das idas e vindas de Kacey com as drogas, a ligação das duas parecia ser mais forte do que o vício, entretanto, tudo muda quando Mickey, depois de desistir do sonho de ir para a faculdade, faz a prova para entrar na academia de polícia, incentivada pelo seu mentor do programa da LAP, agente Cleare, e depois de passar, decide se mudar da casa da avó para viver no seu próprio apartamento, em Richmond. No início, Mickey sente um grande alívio de se ver livre da avó e das crises da irmã, porém, o que ela não sabia é que a partir daí estaria traçado o futuro de desentendimentos e ressentimentos entre as duas irmãs que outrora eram melhores amigas.

Eu sou muito fã de ficção policial e de suspense. Quando soube que este livro envolvia uma narrativa sobre uma mulher investigando o paradeiro da irmã desaparecida, se aventurando numa trama perigosa, cheia de crimes e assassinatos, fiquei animada e segui adiante com a leitura. Vale ressaltar que eu gostei do livro, porém, com algumas ressalvas. A partir daqui, os próximos parágrafos contêm spoiler, portanto, é por sua conta e risco continuar a leitura. O livro é ótimo em diversos momentos, por mesclar momentos mais lúcidos e outros eletrizantes, criando o clima de tensão tão necessário para esse tipo de gênero, no entanto, Michaela é o tipo de protagonista que não convence e que não cativa o leitor. É compreensível que ela tenha receio de confiar nas pessoas, mas o tanto que ela se mostra passiva e insegura e apreensiva chega a ser frustrante, levando-se em consideração que ela é policial há 13 anos. É uma ingenuidade que beira à inverossimilhança.


O machismo dentro da corporação é retratado na história, mas nesses 13 anos de profissão, Mickey não tem voz, era extremamente irritante o quanto ela não sabia se impor e o quanto fica claro que ela não aprendeu em nenhum momento a como sobreviver dentro do DPF. Desde os 14 anos, ela nutre uma paixão pelo agente Simon Cleare, um cara super gente boa, mas que aos olhos de Kacey era um predador sexual acostumado a seduzir jovens ingênuas. Sem acreditar na irmã, Mickey segue apaixonada pelo seu mentor, até que, ao completar 18 anos, acaba caindo na lábia dele e sua vida passa a girar em torno desse homem perfeito que apenas ela enxergava assim. É por meio dele que ela entra para a polícia, no entanto, embora todos saibam do caso amoroso entre os dois, ninguém fala nada e eles fingem que não têm nenhum envolvimento, além do profissional. É durante esse período, que Kacey é solta da prisão e, sóbria há um ano, passa a morar na casa de Mickey.

O vício toma conta novamente e Mickey expulsa a irmã de casa sem pensar duas vezes. É compreensível que a família acabe desistindo do dependente químico devido a todo histórico de promessas não cumpridas e dos ciclos viciosos de abstinência, sobriedade e uso exacerbado de entorpecentes. O contexto e a narração em 1ª pessoa, segundo o ponto de vista de Mickey, nos fazem crer que ela estava arrasada, dilacerada por ver a irmã ter mais uma recaída. Porém, ao fazer isso, Mickey acaba sendo indiretamente responsável por deixar a irmã ainda mais vulnerável, exposta aos perigos da rua e da criminalidade. Para sobreviver, Kacey começa a se prostituir e acaba engravidando depois de uma série de abusos cometidos por Simon. É nesse momento que não dá para passar pano para a protagonista. Ela descobre que a irmã foi abusada pelo seu tão amado mentor e ela, mais uma vez, deixa Kacey na mão, grávida e sozinha.

Desde então, cinco anos se passam, Mickey se muda para Bensalem com o filho pequeno, Thomas, e está fazendo as suas rondas sozinha, enquanto seu parceiro de patrulha está de licença médica. É durante as rondas que ela tenta, mesmo que de longe, se aproximar da irmã, saber se ela está bem, apesar de toda a decadência física e moral. Kacey vive nas ruas, oferecendo o corpo por um pico ou por alguns míseros dólares para sustentar o vício em heroína. No entanto, faz um mês que Kacey não é vista por ninguém e prostitutas adolescentes começam a aparecer mortas, enquanto uma onda de overdoses assola a cidade. Mickey fica em alerta e preocupada, onde estaria a sua irmã? E temendo que o pior tenha acontecido, inicia a sua própria investigação.


Michaela é uma personagem cheia de falhas, o que não seria nenhum problema se isso fosse bem feito, no entanto, não é o que acontece. Acredito que a autora pecou um pouco ao construir o perfil de uma policial com 13 anos de carreira, que é insegura, ingênua e comete a "gafe" de não reconhecer um dos envolvidos da cena de um crime. Soa até inverossímil para uma policial que faz ronda e que precisa conhecer os rostos que passam por ela durante a patrulha. Além disso, ela permite ser pisada pelos homens a sua volta o tempo todo, sempre deixando claro o medo que ela sente do sargento do seu distrito policial. Além disso, mesmo depois de tudo que Simon fez, ela não reage, ela não exige que ele pague a pensão do filho, nada. Ela fica calada e deixa pra lá. A cena do aniversário de Thomas em que Simon aparece e, cruelmente, ignora o filho como se não o conhecesse é repulsiva, mas é ainda mais repulsivo o fato de Mickey não fazer ABSOLUTAMENTE nada. Não convence uma mãe que está vendo seu filho ser dilaceradamente magoado e não fazer NADA!

Michaela é insossa, sem graça, chata, insegura, insuportável. Tudo o que Kacey, graças a Deus, não é. Embora Kacey represente uma realidade muito difícil e, infelizmente, tão atual, como o problema das drogas nos EUA, ela é uma personagem envolvente, cativante, da qual você deseja conhecer mais e mais. Também é o tipo de personagem pela qual você cria empatia e se solidariza com todas as adversidades que ela sofreu durante a vida. Fiquei aliviada por ela ter tido um final feliz, a tão sonhada e merecida redenção. Um ponto falho no desfecho dessa personagem, a meu ver, diz respeito ao seu primeiro filho. A história não deixa claro se o relacionamento dos dois vai acontecer, se vai dar certo, nada. No entanto, Kacey está sóbria e agora tem uma filha recém nascida para tomar conta, o que sugere que ela pode tentar recuperar o filho mais velho, ao menos, quero pensar que há esse gancho para a história dela com o filho.

Sobre a investigação propriamente dita, lá pela página 155, é possível começar a suspeitar do verdadeiro culpado, sobretudo, quando Paula, melhor amiga de Kacey, diz que o principal suspeito é um policial. Incrédula e em choque, Mickey comete mais uma gafe. Mesmo seus instintos dizendo para não confiar no sargento, ela diz o nome de Paula para ele, o que coloca a vida das duas em risco. Além disso, Mickey é descuidada, parece amadora, como se não soubesse fazer uma investigação. Próximo do final, a autora tenta criar uma reviravolta interessante, fazendo com que Mickey desconfie do seu único amigo no DPF. O que eu já achei um grande furo na história, já que o perfil do assassino tinha sido traçado como homem caucasiano na faixa dos 40 anos. Enfim, outra coisa que me incomodou é como o final do livro é apressado. Os eventos vão sendo solucionados, mas parece tudo redondinho demais, porém, exatamente por parecer tão fechadinho que alguns finais não são satisfatórios, como o desfecho de Simon, o desfecho do sargento corrupto e o desfecho de Trumam. O livro é bom e, quando a história engata, te prende do início ao fim, entretanto, o desfecho é meio fácil demais, óbvio demais. O que convence é o fato de Mickey desistir da carreira no DPF, afinal, se em 13 anos ela não conseguiu mostrar toda a sua astúcia e inteligência (tantas vezes exaltada ao longo do livro), não faria sentido isso acontecer depois de vermos o tanto de gafes que ela cometeu no decorrer dos capítulos.

Nota: ⭐⭐⭐

Comentários

  1. Um post maravilhoso, mais maravilhoso ainda ouvir a própria pessoa que escreveu contar tudinho, na mesa de um restaurante.

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