Muitas vezes, ler um livro acaba sendo um grande desafio, mesmo para os amantes da leitura. No entanto, por alguma razão desconhecida, os livros infantis não fazem parte dessa seleção, mas eu venho aqui hoje te mostrar que livros para crianças também podem ser lidos por adultos e provocar sentimentos novos e com o plus de se deleitar com uma história que conversa com as letras e as imagens. E essa é a magia da literatura infantil: os elementos visuais também fazem parte e contribuem para a narrativa da história, servindo não só como apoio, mas também como elementos extras que contam uma parte do enredo.
A "brincadeira" com a linguagem mista é uma característica da literatura infantil, mas ela também pode ser um fator extremamente importante para suscitar a imaginação e despertar aquele sentimento que você deixa bem guardadinho, até porque né, impossível sair incólume de uma obra literária. E se você é daqueles que tratam a literatura infantil com desdém, sugiro mudar rapidamente seu modo de pensar, porque nem preciso dizer o quanto isso é um equívoco absurdo. Sendo assim, eu vou te apresentar oito livros infantis que poderiam ter sido escritos para adultos, por tratar de temas como depressão, preconceito, identidade de gênero e respeito às diferenças. Vamos lá?
1. Ladrão de Galinhas - Béatrice Rodriguez
Autora/ Ilustradora: Béatrice Rodriguez
Gênero: Literatura Infantil, Fantasia
Editora: Livros da Raposa Vermelha
Páginas: 32 p.
Ano de Publicação: 2014
Eu conheci esse livro durante uma aula de Literatura Infanto-Juvenil, quando eu era estudante do curso de Letras, na UFPB. Até aí, eu não era uma pessoa que conhecia muitos livros infantis além dos famigerados contos de fada, mas quando tive a oportunidade de conhecer narrativas infantis como essa, eu descobri um lugar da literatura que eu nunca tive, já que meus pais não eram muito leitores durante a minha infância. Devido a essa descoberta, eu decidi ler o máximo de livros infantis que eu pudesse, como uma tentativa de suprir anos e anos sem ter tido essa experiência. Mas deixando isso um pouco de lado, Ladrão de Galinhas é um livro-fábula cujos personagens são todos animais e, embora não tenha nenhuma palavra para pontuar os eventos ocorridos, não há necessidade nenhuma, já que as imagens falam por si só. O livro narra as peripécias de uma raposa e uma galinha. Ambas vivendo em mundos diferentes e em lados opostos da cadeia alimentar. Sendo assim, num belo dia e à vista de todos, a raposa decide sequestrar a galinha, o que dá início a uma perseguição ferrenha e a uma missão de resgate por parte dos amigos da galinha. O urso, o coelho e o galo partem no encalço da raposa que tenta o mais rápido possível chegar a uma ilha bem distante onde ela mora. Quando finalmente chegam ao esconderijo, todos muito exaustos, o inusitado acontece e temos um dos finais mais incríveis que você poderia imaginar. É um dos meus livros favoritos da vida.
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
2. O Nabo Gigante - Aleksei Tolstói
Título Original: Гигантская репа (Gigantskaya repa)
Autor: Aleksei Tolstói
Ilustradora: Niamh Sharkey
Tradução: Christine Röhrig
Gênero: Literatura Infantil, Infanto-Juvenil, Fantasia
Editora: Girafinha
Páginas: 44 p.
Ano de Publicação: 2002
Eu conheci esse livro na mesma leva em que conheci Ladrão de Galinhas, mas diferentemente do primeiro que é um livro apenas ilustrado, aqui temos uma adaptação popular de um clássico conto russo sobre um casal de velhinhos que vive numa fazenda, cuidando de animais e de sua pequena horta. A fim de mostrar a vida pacata e rotineira do casal, Tolstói faz uso da repetição de suas ações cotidianas para reforçar essa ideia. Sendo assim, o casal decide preparar a horta, semeando ervilhas, cenouras, batatas, feijão e, por último, nabo. No entanto, o que eles não esperavam era que o nabo crescesse tanto a ponto de ficar gigante, fazendo com que o casal precisasse da ajuda de todos os amigos e dos animais da fazenda para poder arrancar o vegetal da terra. A premissa do livro é bastante simples: quantas pessoas e animais são necessários para colher um nabo? Mas se levarmos para a vida real, quantas pessoas são necessárias para fazer o bem? Vale muito a pena ler esse livro.
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
3. Onda - Suzy Lee
Título Original: 파도
Autora/ Ilustradora: Suzy Lee
Gênero: Literatura Infantil, Fantasia
Editora: Companhia das Letrinhas
Páginas: 48 p.
Ano de Publicação: 2017
Eu conheci esse livro quando estava ajudando a catalogar os livros da biblioteca da creche em que minha trabalhava. Ao ver o livro, comprido, de capa dura, ignorei por um momento o que estava fazendo, para ler e foi a melhor decisão daquele dia. Eu confesso que me emocionei tanto com um livro sem palavras, que eu chorei. Aquela menininha descobrindo a força da natureza representada pela onda, o medo, o fascínio, a descoberta, o enfrentamento, o desdenhar, tantos sentimentos e sensações traduzidos em imagens mexeu bem lá no fundo, fazendo com esse livro se tornasse um dos meus favoritos. Suzy Lee consegue fazer uso de elementos simples para criar uma história envolvente e bonita, abusando de poucas cores, como azul, preto e branco, para explorar a força da natureza, da amizade e das novas descobertas, algo intrínseco da infância, em que tudo é novidade, movimento, espanto e alegria. Mas sem esquecer da despedida, que também dói quando se é criança. Um livro lindo e tocante.
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
4. Princesa Kevin - Michaël Escoffier
Título Original: Princess Kevin
Autor: Michaël Escoffier
Ilustrador: Roland Garrigue
Tradução: Lígia Ulian
Gênero: Literatura Infantil, Infanto-Juvenil
Editora: Companhia das Letrinhas
Páginas: 32 p.
Ano de Publicação: 2020
Publicado em 2020, Princesa Kevin não poderia ser mais atual. O livro conta a história de Kevin, um menino que, no dia da fantasia da escola, quer ir fantasiado de princesa. Enquanto a maioria dos meninos quer ir de caubói, de pirata e até mesmo de dragão, Kevin quer apenas escolher um vestido, colocar sapatos de salto e ser uma princesa. E não tem nada de mais nisso, porque ele pode ser o que ele quiser. O interessante do livro é a naturalidade com que o autor e o ilustrador se emprenharam em mostrar que Kevin é um menino que quer apenas se fantasiar de princesa. Embora seja um livro infantil, o discurso da liberdade de escolha, sem estar presa a identidades de gênero, ao papel social do que é ser homem ou mulher na sociedade, aparece de modo sutil quando Kevin afirma que meninas também podem querer/gostar de se vestirem de caubói, super-herói e que está tudo bem. Até porque está. Um livro muito divertido e que tem um final muito à altura da personalidade de Kevin - risos.
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
5. Vazio - Anna Llenas
Título Original: Vacío
Autora/ Ilustradora: Anna Llenas
Tradução: Silvana Tavano
Gênero: Literatura Infantil, Infanto-Juvenil, Fantasia
Editora: Salamandra/ Moderna
Páginas: 84 p.
Ano de Publicação: 2018
A doença do século não assola apenas adultos, mas também crianças e adolescentes. É assustador perceber isso, mas independente da idade, todos se deparam com a dor e com a perda. Embora nada seja dito que explique a razão para Júlia se sentir triste, ela que tinha uma vida perfeita, de repente passa a lidar com uma tristeza profunda representada no livro como um enorme buraco no peito. A analogia que a autora faz ao falar dos monstros que saíam do buraco do peito de Júlia, bem como das tantas coisas novas que entravam, nem sempre tão boas assim, evidencia o que uma pessoa desesperada pode fazer para tentar tapar/suprir essa tristeza que abala o nosso mundo interior. E Júlia passa por um redemoinho de coisas até, finalmente, entender que para se libertar da dor, ela precisava olhar para dentro de si mesma e se reinventar. Ela precisava e podia recomeçar quantas vezes fosse necessário para ser uma criança feliz novamente. E como livros infantis são um detalhe à parte, que dizem muito mais do que apenas o texto presente no livro, o fato de a capa ser extremamente grossa me chamou a atenção: quantos de nós somos uma casca grossa por fora e uma criança indefesa por dentro?
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
6. A Bolsa Amarela - Lygia Bojunga
Título Original: A Bolsa Amarela
Autora: Lygia Bojunga
Gênero: Literatura Infantil, Infanto-Juvenil, Fantasia
Editora: Casa Lygia Bojunga
Páginas: 136 p.
Ano de Publicação: 2008
Quando eu era criança, uma das coisas que mais me irritavam era quando minha mãe dizia que criança não tinha querer. E eu precisei de anos para perceber que sim, crianças também têm vontade, mas impor limites não é podar sua liberdade ou personalidade. Baseada nesse fato, que todo adulto certamente enfrentou quando criança, é que Lygia Bojunga constrói a narrativa de A Bolsa Amarela, que conta a história de uma menininha chamada Rachel que vive um grande conflito consigo mesma e com a família: ter que reprimir três vontades suas, que estão escondidas numa grande bolsa amarela - a vontade de crescer, a de ser garoto e a de se tornar escritora. Rachel é extremamente sensível e tem na sua imaginação uma aliada importante para lidar com o mundo real e com a estrutura conservadora da sua família patriarcal. É inegável o quanto me identifiquei com a Rachel, mesmo depois de ter lido esse livro já na fase adulta. Encontrar um livro que dialoga com a nossa criança interior é deveras libertador de certo modo. E tudo o que uma criança que está crescendo e sendo empurrada cruelmente para a vida real quer é poder se afirmar como pessoa, como indivíduo, sem imposições nem amarras de ninguém.
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
7. Tchau - Lygia Bojunga
Título Original: Tchau
Autora: Lygia Bojunga
Gênero: Literatura Infantil, Infanto-Juvenil
Editora: Casa Lygia Bojunga
Páginas: 132 p.
Ano de Publicação: 2007
Tchau é o único livro de contos de Lygia Bojunga, reunindo quatro histórias profundas, densas e extremamente sensíveis. E apesar de ser um livro de contos curtos, esse é, definitivamente, o livro que mais me doeu ler de todos os livros infantis que já li na vida. Eu confesso que por um bom tempo eu adiei a leitura, por não me sentir preparada para encarar o conto que dá nome à coletânea. Tchau é uma história que fala de amor, de paixão e de perdas. Rebeca descobre que a mãe conheceu um homem chamado Nikos. Apaixonada por ele, a mãe decide viver esse novo amor, mas, para isso, ela precisa deixar os filhos para trás. Vendo o sofrimento do pai, Rebeca e o irmão, Donatelo, prometem que não deixarão a mãe ir embora. E é aí que se instaura a parte triste da história, a mãe precisa escolher entre os filhos e esse novo amor e tudo é narrado sob o ponto de vista de Rebeca que não entende o que esse Nikos tem de tão especial para fazer a mãe dela querer ir embora para longe. As tantas camadas que existem nesse livro fazem dele um presente para todas as idades. Em algum lugar por aí, existem várias Rebecas que sofreram algum tipo de abandono parental e nenhuma delas deveria achar que está sozinha. Prepare os lencinhos para ler esse livro.
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
8. O Muro no Meio do Livro - Jon Agee
Título Original: The Wall in the Middle of the Book
Autor/ Ilustrador: Jon Agee
Tradução: Juliana Freire
Gênero: Literatura Infantil, Fantasia
Editora: Pequena Zahar
Páginas: 48 p.
Ano de Publicação: 2019
Quem nunca achou que estava absolutamente certo sobre algo e quebrou a cara? Ou quase de deu mal por causa disso? Partindo desse princípio, O Muro no Meio do Livro traz uma mensagem atemporal sobre preconceito e sobre a forma como enxergamos o outro. A história começa com um muro desenhado, literalmente, no meio do livro, para, em seguida, sermos apresentados a um pequeno cavaleiro, vestindo sua armadura, confiante de que o muro está protegendo o seu lado bom do livro dos diversos perigos do outro lado, ou seja, protegendo-o de um tigre feroz e faminto, de um rinoceronte gigante e do mais terrível de todos os perigos, do ogro que seria capaz de comê-lo com uma só mordida. No entanto, o que o cavaleiro não percebe é que, do seu lado do livro, uma ameaça pior e sorrateira começa a se aproximar dele e eis que surge o pulo do gato. Quantas vezes julgamos mal uma pessoa por acharmos que ela é de determinada forma e no final é ela quem nos ajuda no momento de maior dificuldade? É sobre isso que fala esse livro. Sobre como podemos ser injustos e preconceituosos, o que faz esse ser um dos motivos principais para você, querido adulto, ler esse livro infantil, pois ele pode ter sido escrito para você - risos.
Nota: ⭐⭐⭐⭐
O livro infantil é o começo do passeio, e quem é adulto, um dia foi criança. Dá pra embarcar nas histórias e lendo assim de forma tão atrativa mais ainda 😘
ResponderExcluirVerdade... o livro infantil é a primeira porta de entrada para o mundo da leitura. E é sempre importante manter essa porta aberta, mesmo depois de adulto.
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