A Realidade Devia Ser Proibida - Maria Clara Drummond

Aquele livro que você lê numa sentada. A realidade devia ser proibida nos apresenta os dilemas e os dissabores enfrentados por Eva, uma jovem rica que acredita fazer parte da nova juventude da elite brasileira. Apesar de Eva expor os seus white people problems, Maria Clara Drummond deixa claro que não é apenas isso. Eva representa o retrato íntimo e sem filtros de uma geração pseudointelectual que vive a vida regada a festas caras e a MD.


Título Original: A Realidade Devia Ser Proibida
Autora: Maria Clara Drummond
Gênero: Romance
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 112 p.
Ano de Publicação: 2015

Os dilemas de Eva podem parecer com os de qualquer garota da elite brasileira. Ela se submete aos mesmos sacrifícios e pressões sociais. Se preocupa com o cabelo, constantemente armado, a ponto de só entrar na água até a cintura. Seus amigos são inteligentes e bem-sucedidos, uma profusão de cineastas, empresários, galeristas e gente da moda. Para quem vê de fora, sua vida se dá entre o restaurante estrelado e festas com DJ francês regadas a MD, podendo ser tratada como uma existência meramente superficial, mas A realidade devia ser proibida nos revela o que está por trás do que parece ser uma vida fútil e degenerada.

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Eva, a nossa personagem principal, é descontruída o tempo todo ao longo da narrativa. Apesar de ter uma vida boa e confortável, ela não faz parte genuinamente do grupo social do qual desesperadamente tenta fazer parte. O seu status social sobe de nível quando sua mãe se casa com um cara rico, o que faz com que ela, por extensão, ingresse na chamada elite brasileira. Embora a vida tenha melhorado financeiramente, Eva vive conflitos comuns de relacionamentos entre mãe e filha, sobretudo, no que diz respeito à sua aparência. A mãe sempre cobrou da filha magreza e cabelos bem asseados, algo que podemos perceber na angústia que a personagem sente por nunca conseguir "domar" as suas ruivas madeixas rebeldes. Além disso, Eva convive com os altos e baixos da sua autoestima e com o fato de nunca estar à altura de Stephanie, enteada de sua mãe; de não satisfazer às expectativas das amigas; de não conseguir o amor e a atenção de Davi.


Percebemos que Eva, de modo consciente ou não, vai encenando o seu papel ao longo da narrativa, expondo a farsa da elite da qual faz parte, evidenciando o pseudointelectualismo dos personagens, escancarando os mecanismos que fazem as engrenagens sociais se moverem. Eva fala sobre o pai da amiga que apareceu em várias capas de revista por estar envolvido num esquema de empreiteiras; dos amigos que se conhecem porque as mães colaboram juntas em um blog; do relacionamento "moderno" de Davi, seu interesse amoroso, e Marina e; dos relacionamentos tóxicos que ela cultiva com outros personagens, como com o próprio Davi e com o melhor amigo, Manoel.
Existe uma quantidade infinita de coisas fora do controle que a todo momento ameaçam a ordem vigente. Uma tragédia pode acontecer e mudar tudo. Existe um momento muito doloroso no processo de análise. É quando você consegue identificar todas as autossabotagens que te impedem de seguir adiante, mas ainda não tem força/conhecimento suficiente para impedi-las. É uma sensação de impotência imensa.
Insegurança, falta de amor próprio são sentimentos que rondam o dia a dia de Eva. Ela se apaixona por Davi, o cara bem sucedido e descolado que, pasmem, a achou interessante dentre tantas outras, até a verdade vir à tona: Davi namora Marina e várias outras mulheres ao mesmo tempo. O livro poderia ser apenas mais uma história de amor comum que, em algum momento, nos mostra uma garota dividida entre dois pretendentes, Pedro Henrique (que Eva conhece na festa de aniversário da Maria Isabel), no entanto, os rumos da narrativa seguem uma trama totalmente imprevisível: vemos Eva amadurecendo e se libertando de algumas amarras.
E foi nesse ínterim que davi deixou de significar Davi e tornou-se uma palavra qualquer, como mesa ou cadeira ou carro, dessas tão banais e sem poesia que nem prestamos mais atenção nelas, apenas uma junção de letras que resulta num som davi davi davi. E de fato repetia em voz alta ou no pensamento: davi davi davi davi, para ver se estava mesmo banalizada ou era um alarme falso.
A realidade devia ser proibida poderia ser facilmente visto como a história de uma protagonista branca que vive problemas de pessoas brancas, mas esse mote serve apenas de cenário para expor a realidade da classe média/alta da qual Eva faz parte, no entanto, a sensação que a gente tem é de que ela não se sente parte de verdade daquilo, por mais que ela se esforce, ainda assim, ela não nasceu rica, não nasceu em berço de ouro e o seu cabelo, sempre rebelde, pode funcionar como esse lembrete diário de que ela não se encaixa perfeitamente nesse meio. Eva sente que precisa ser cool, que precisa ser madura e "evoluída", que fazer parte daquele mundo exige sacrifícios, todavia, é evidente os estragos e os traumas que ela vai colecionando ao longo dessa jornada de futilidades e hipocrisia, enquanto tenta aprender a se aceitar e a se amar como é.

Nota: ⭐⭐⭐⭐

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