Faz um tempinho que eu li esse livro e confesso que ele me marcou de diversas maneiras. Antes de falar sobre o livro em si, é importante pontuar algumas coisas. Xue Xinran nasceu na China, em 1958, durante o governo de Mao Tsé-Tung. Por ser de uma família de origem aristocrática, Xinran sofreu diversas retaliações do governo ao longo de sua vida, chegando inclusive a viver longe dos pais para ser educada, junto com seu irmão, em um quartel da Guarda Vermelha. Apenas em 1983, com a reabertura econômica da China é que Xinran pôde fazer faculdade de Jornalismo, arriscando sua vida ao criar um espaço para as mulheres chinesas contarem suas histórias no programa Palavras na Brisa Noturna, da rádio em que trabalhou de 1989 a 1998.
Título Original: The Good Women of China
Autora: Xinran
Tradução: Manoel Paulo Ferreira
Gênero: Não-Ficção
Editora: Companhia de Bolso
Páginas: 256 p.
Ano de Publicação: 2007
A priori, Xinran apresentava temas do cotidiano em seu programa, que tinha a finalidade de sugerir soluções aos seus ouvintes para lidarem com as dificuldades do dia a dia, no entanto, tudo isso mudou, quando ela recebeu a denúncia de que uma menina de 12 anos tinha sido vendida a um homem de 60. A menina vivia numa aldeia e passava o tempo todo acorrentada para não fugir. Foi a partir daí que Xinran percebeu que desconhecia completamente a realidade de grande parte das mulheres que morava na China dos anos 80 e 90. Sendo assim, o programa, que era apresentado das 22 horas à meia noite, passou a compartilhar depoimentos de mulheres que enviavam cartas e/ou que aceitavam ser entrevistadas pela autora.
Vale ressaltar que Xinran, em vários momentos, inclui sua própria história no livro, todavia, isso não surge como um problema, um excesso, digamos assim, muito pelo contrário, seu relato só reforça a sua autoridade como profissional e, sobretudo, como mulher chinesa. Dessa maneira, é possível conhecer os detalhes que a levaram a desenvolver seu trabalho, que ia muito além de apenas apresentar um programa de rádio, mas de oferecer um espaço de acolhimento para que várias mulheres pudessem desabafar ou contar suas histórias. Abria-se, portanto, um espaço para que vozes, outrora, silenciadas, pudessem expor suas verdades: mães, filhas, viúvas, ou seja, abria-se o leque para a complexidade feminina dessas mulheres.
"Você viu o que se faz para que aqueles bolos bonitos e macios se tornem o que são. Se só os tivesse visto na loja, jamais teria sabido. Mas, ainda que você tivesse sucesso em relatar como a panificadora é mal administrada e como viola as normas de saúde, acha que isso faria as pessoas pararem de comer pão de ló? É o mesmo com as mulheres. Mesmo que conseguisse acesso às recordações e aos lares delas, você seria capaz de julgar ou mudar as leis pelas quais elas vivem a vida? Além disso, quantas estariam dispostas a abrir mão do amor-próprio e falar com você?"
Xinran insistiu em contar a história dessas mulheres, percorrendo regiões da China que ela sequer tinha ido antes. Com sua bicicleta, de cara limpa, Xinran ia ao encontro de suas companheiras chinesas a fim de ouvir suas histórias, de conhecer seus relatos, não apenas para expor suas dores e sofrimentos, mas para levar ao conhecimento das pessoas que elas não eram as únicas passando por aquele tipo de circunstância. Os relatos podem ser fortes e até dolorosos, lembro que li alguns que me fizeram chorar, me indignar e até sorrir. Nem tudo são flores, mas também nem tudo são dissabores. Apesar da crueldade de algumas narrativas, Xinran consegue apresentá-los com sinceridade e delicadeza e sem deixar de omitir seus próprios questionamentos e sentimentos.
"Segui em frente sim, mas no fundo não tive coragem. Sou uma dessas pessoas que são fortes na frente dos outros, uma fortaleza entre as mulheres, mas quando estou sozinha, choro a noite inteira - pela minha filha, pelo meu marido, pelo meu filho e por mim. Às vezes não consigo respirar, tamanha é a saudade que sinto deles. Há quem diga que o tempo cura tudo. A mim não curou."
Embora a China estivesse atravessando seu processo de reabertura econômica, é importante mencionar que isso não tornava a situação das mulheres menos opressoras. Além disso, ao dar voz a tantas mulheres, Xinran recebeu diversas ameaças, tendo, inclusive, que sair de seu país. A verdade é que As boas mulheres da China é um registro necessário para a sociedade como um todo, por mostrar a coragem de várias mulheres ao retratarem suas vidas e ao mostrarem como conseguiram sobreviver a toda dor e sofrimento que passaram.
“Desculpe, Xinran, só pensei em mim mesma, falando deste jeito. A sua máquina gravou tudo? Eu sei que mulher fala demais, mas eu raramente tenho oportunidade ou vontade de falar; vivo como um autômato. Finalmente consegui falar sem medo. Sinto-me mais leve. Obrigada. E obrigada à sua rádio e aos seus colegas também. Adeus…”
Não podemos esquecer de citar que dar voz a uma minoria, há muito tempo relegada ao silêncio e à obediência, levando em consideração o contexto sócio-histórico chinês, soa como uma "traição" ao seu país, talvez, por essa razão, Xinran tenha recebido tantas ameaças por "não censurar" os relatos que expunha. De todo modo, mesmo com as ameaças, que a fizeram ir morar em Londres, Xinran não se deixou abater e, em 2002, escreveu sobre a condição feminina na China e eternizou a voz de suas conterrâneas ao publicar As boas mulheres da China, seu primeiro livro. Super recomendo a leitura. Não é fácil começar uma [pequena] revolução.
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
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