Durante sua juventude, Tanizaki revelava forte influência de Edgar Allan Poe, Charles Baudelaire e Oscar Wilde, assim como muitos escritores japoneses da época, que tendiam para uma inclinação mais ocidentalizante. Entretanto, a partir de 1923, Tanizaki sofreu uma nova influência em sua escrita: abraçar a cultura de seu país. Saíam de cena textos ocidentalizados e surgiam textos que não só resgatavam a cultura japonesa como também expressavam a crise intelectual e emocional que o autor sentia, o que contribuiu significativamente para torná-lo um dos principais nomes da literatura japonesa do século XX.
Há quem prefira urtigas, publicado originalmente em 1930, retrata a vida de um casal beirando os 40 anos que não tem ligação afetiva com a cultura tradicional japonesa, evidenciando que se sentem muitas vezes oprimidos por todos os costumes japoneses, considerados antiquados para eles. Embora o casal não se identifique com a realidade do Japão no início da década de 1920, eles não ousam romper com os costumes e a moral sem que seja de forma "adequada".
Desde que se casou com Misako, Kaname nunca a amou. Apesar de terem dividido a mesma cama por alguns anos e de terem tido um filho, Hiroshi, a vida sexual do casal foi minguando até desaparecer, entretanto, é a postura de Kaname que faz com que seu casamento desde o início esteja fadado ao fracasso, já que ele deixa claro que sentia vontade de se divorciar imediatamente após o casamento, desprezando a esposa e desejando-a num jogo paradoxal de se ver preso a ela pelas tradições.
'Que acha de agirmos da seguinte maneira?', disse Kaname, expondo em linhas gerais as condições que havia mentalizado:
1. Por ora, Misako continuará casada com Kaname, pelo menos formalmente.
2. Para manter as aparências, Aso será, por ora, apenas amigo de Misako.
3. Misako tem liberdade tanto física como espiritual de amar Aso, desde que se comporte com discrição e evite maledicências.
4. Passados um ou dois anos nesse regime, caso Misako e Aso se sintam capazes de partilhar a vida de casados, Kaname tomará a iniciativa de expor a situação ao sogro e dele obterá a permissão para o divórcio; depois disso, entregará Misako oficialmente a Aso.
5. Os próximos dois anos serão portanto considerados experimentais para Aso e Misako.
A ideia de Misako se envolver com outra homem é do próprio Kaname, que por não amá-la e por não suportar ouvir os lamentos da esposa durante à noite, decide que ela deve ser feliz para que ele se sinta bem. Entretanto, Kaname não tem muita determinação de colocar um ponto final no casamento. Em contrapartida, Misako espera pela iniciativa do marido, que nunca acontece. Ambos vivem dois tipos de conflito: o cultural e o passional.
A história se passa no Japão da década de 20, período no qual a introdução da cultura ocidental começou a exercer grande influência na sociedade japonesa, sobretudo, sobre os jovens, separando gerações e modificando a maneira como as pessoas se relacionavam. É nesse contexto que Misako e Kaname vivem uma relação em que Misako namora Aso, enquanto ainda é casada, e Kaname é perdidamente apaixonado por uma prostituta estrangeira, Louise.
Ambos vivem um relacionamento que em muito escandalizaria a sociedade da época, uma das razões para que Kaname adie tanto a conversa com o sogro para pedir o divórcio, visto que o sogro é a representação da tradição japonesa. A postura do velho sogro, extremamente ligada à cultura de Kyoto, só reforça o peso que ele tem na narrativa e no destino dos personagens.
"Cada lagarta tem seu gosto; algumas preferem urtigas". - Provérbio japonês.
Embora as personagens femininas tenham algum destaque na narrativa, como Misako, Louise e Ohisa, companheira do pai de Misako muitos anos mais nova do que ele; elas não têm muita autonomia e dependem sempre das figuras masculinas que as cercam. Misako espera que Kaname converse com seu pai para pôr fim ao casamento; Louise vê em Kaname a sua única maneira de largar o meretrício; e Ohisa se despe de todos os seus interesses para aprender e satisfazer os gostos do velho marido.
Tanizaki conduz com maestria a difícil decisão que Kaname tem que tomar, visto que ele acredita piamente que mulheres são seres de adoração e, por não sentir adoração pela esposa e nem ânimo para se divertir com ela, ele decide desde o primeiro instante de casamento que não pode continuar casado. Embora ele tenha fortes influências da cultura ocidental, Kaname não consegue se desvencilhar tão facilmente do jugo da sociedade conservadora da época. Por retratar o conflito de culturas, Tanizaki consegue dar vida a um drama que pode mudar o destino de todos. Super recomendo a leitura.
Nota: ⭐⭐⭐⭐⭐
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